De modo geral, a corrupção pública / política se vale dos vazios e nuances das leis e da capacidade das pessoas de se corromperem diante do poder e do dinheiro. Ocorre, de modo geral, quando o indivíduo se serve de uma situação privilegiada (funcionário público / cargo político) para tirar proveito pessoal e vantagens privadas através de ações consideradas ilegais / ilícitas.
Pode vir na forma de propina, incentivos ilegais, troca de favores, liberação fraudulenta de projetos, tráfico de influência, nepotismo e do desvio das obras daquilo que é interesse público, entre outros.
Este último caso de corrupção – geralmente negligenciado – tem características especiais e, na maioria dos casos, é difícil de se chegar à efetiva penalização de seus executores, devido à existência de sutilezas e nuances que dão lugar exagerado ao discurso, deslizando facilmente para fora da lei, apesar de estar claramente em sua esfera de abrangência.
O acusado pode declarar "com toda firmeza" que foi feito estudo de viabilidade, que foi aprovado, que seguiu todos os ritos – enquanto o senso comum de justiça de quem se cientifica do caso lhe alerta que "algo não cheira nada bem".
A caracterização do ato corruptivo e a penalização neste caso singular, muitas vezes, depende da vontade das esferas jurídicas de levar o caso adiante, trazendo mais um fator volátil: as relações de poder, de ideologia e de favorecimentos.
É a corrupção do governante que administra em causa própria e de seus asseclas, financiadores e "chegados", utilizando as obras públicas físicas e não, diretamente, desvios em espécie ou outros "favores".
Muitas vezes, é o pagamento de dívida eleitoreira, provinda de financiamentos e de apoio com intenções escusas (assim como na corrupção "convencional"). A obra, que deveria se valer de estudos de viabilidade econômica, ambiental e de eficiência na busca do benefício ao maior número de pessoas com a menor quantia de recursos possível agora é, para além dos descaso, orientada para estes "pagamentos" ou "mimos".
Sai-se do modo "desvio direto de recursos" e entra no modo "desvio de obras".
O Brasil é pródigo deste modo corruptivo: vimos muito na história secular e recente incontáveis casos claros, como o dos coronéis da seca que construíram açudes e cisternas em suas terras em detrimento de quem verdadeiramente precisava, matando estes de sede e fome.
Segundo o historiador José Weyne:
"A seca em si era um impedimento ao progresso. Boa parte dos açudes era construída em terras particulares de coronéis e a população não conseguia ter acesso. Os açudes eram inúteis para a população."Em tempos recentes, um caso notório foi evidenciado pela imprensa brasileira e motivou o olhar aqui exposto sobre a corrupção no Brasil: o aeroporto de Cláudio, em Minas Gerais, envolvendo seu ex-governador e presidenciável Aécio Neves, onde a obra foi construída em terreno do tio-avô de Aécio e ex-prefeito de Cláudio, cuja família – pasmem – ficava com as chaves do portão do aeroporto.
Aeroporto de Cláudio, construído em um terreno desapropriado que pertenceu ao tio-avô de Aécio Neves. |
A argumentação de inocência do político acusado pode ser vista aqui.
Não se pode deixar de citar outro fato de natureza patrimonialista, novamente com o mesmo político: a construção de uma estrada que foi desviada de trajeto previsto em 3 km até a fazenda de Roberto Marinho, denunciado por Kiko Nogueira. Veja a reportagem aqui.
Estes casos são os típicos "desvios de obra" de que trata este texto.
Contudo, não se pode aceitar qualquer justificativa. Qualquer político probo não teria a mínima dúvida de que, por questão de não-benefício próprio ou de pessoas próximas (no caso, parentes) esta construção não poderia nem ter sido cogitada (nem que fosse por questão de bom senso).
Estrada que dá acesso à fazenda de Roberto Marinho. |
Como não iria perceber que não é certo, que não é justo, que saltaria aos olhos, se denunciado? Fato é fato.
Como outro exemplo, cito também o caso das clássicas obras que ligam "lugar algum a coisa nenhuma" – os famosos "elefantes brancos" – levadas à frente por interesses escusos envolvendo favorecimento de empresas privadas ou de asseclas políticos.
O programa Fantástico (2011) apresentou uma reportagem que mostra vários casos deste tipo:
Este modo de corrupção tão negligenciada gera, além da concentração de riquezas, a concentração do conforto, do acesso, da segurança, da beleza e do ambiente salutar.
Já percebeu este tipo sutil de corrupção da função pública nas cidades que viveu, caro leitor?
É a exclusão social, o nepotismo e o desvio corrupto se efetivando em forma de benfeitorias.
Estes casos mostram que a Justiça no Brasil deve evoluir muito para alcançar os políticos e administradores públicos nestes casos mais sutis de corrupção, sem distinção de posicionamento político/ideológico ou relações de poder.
Somente uma Justiça verdadeira, efetiva e apartidária trará a tão almejada paz social, pois pacifica os ânimos e disponibiliza recursos para um desenvolvimento que alcance todos os cidadãos brasileiros.
"Fiat justitia et ruat caelum" — "faça-se justiça, embora desabem os céus".
EdiVal
23/06/2015
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