terça-feira, 23 de junho de 2015

"Desvio" de Obras Públicas: Uma Faceta Negligenciada da Corrupção no Brasil

Este texto tem como objetivo evidenciar uma face específica da corrupção no Brasil que geralmente é subestimada.

De modo geral, a corrupção pública / política se vale dos vazios e nuances das leis e da capacidade das pessoas de se corromperem diante do poder e do dinheiro. Ocorre, de modo geral, quando o indivíduo se serve de uma situação privilegiada (funcionário público / cargo político) para tirar proveito pessoal e vantagens privadas através de ações consideradas ilegais / ilícitas.
Pode vir na forma de propina, incentivos ilegais, troca de favores, liberação fraudulenta de projetos, tráfico de influência, nepotismo e do desvio das obras daquilo que é interesse público, entre outros.

Este último caso de corrupção – geralmente negligenciado – tem características especiais e, na maioria dos casos, é difícil de se chegar à efetiva penalização de seus executores, devido à existência de sutilezas e nuances que dão lugar exagerado ao discurso, deslizando facilmente para fora da lei, apesar de estar claramente em sua esfera de abrangência.
O acusado pode declarar "com toda firmeza" que foi feito estudo de viabilidade, que foi aprovado, que seguiu todos os ritos – enquanto o senso comum de justiça de quem se cientifica do caso lhe alerta que "algo não cheira nada bem".

A caracterização do ato corruptivo e a penalização neste caso singular, muitas vezes, depende da vontade das esferas jurídicas de levar o caso adiante, trazendo mais um fator volátil: as relações de poder, de ideologia e de favorecimentos.

É a corrupção do governante que administra em causa própria e de seus asseclas, financiadores e "chegados", utilizando as obras públicas físicas e não, diretamente, desvios em espécie ou outros "favores".
Muitas vezes, é o pagamento de dívida eleitoreira, provinda de financiamentos e de apoio com intenções escusas (assim como na corrupção "convencional"). A obra, que deveria se valer de estudos de viabilidade econômica, ambiental e de eficiência na busca do benefício ao maior número de pessoas com a menor quantia de recursos possível agora é,  para além dos descaso, orientada para estes "pagamentos" ou "mimos".

Sai-se do modo "desvio direto de recursos" e entra no modo "desvio de obras".

O Brasil é pródigo deste modo corruptivo: vimos muito na história secular e recente incontáveis casos claros, como o dos coronéis da seca que construíram açudes e cisternas em suas terras em detrimento de quem verdadeiramente precisava, matando estes de sede e fome.
Segundo o historiador José Weyne:
"A seca em si era um impedimento ao progresso. Boa parte dos açudes era construída em terras particulares de coronéis e a população não conseguia ter acesso. Os açudes eram inúteis para a população."
Em tempos recentes, um caso notório foi evidenciado pela imprensa brasileira e motivou o olhar aqui  exposto sobre a corrupção no Brasil: o aeroporto de Cláudio, em Minas Gerais, envolvendo seu ex-governador e presidenciável Aécio Neves, onde a obra foi construída em terreno do tio-avô de Aécio e ex-prefeito de Cláudio, cuja família – pasmem – ficava com as chaves do portão do aeroporto.
Aeroporto de Cláudio, construído em um terreno desapropriado que pertenceu ao tio-avô de Aécio Neves.
Outro caso similar, com o mesmo político, foi denunciado. Um outro aeroporto, agora em Montezuma, cidade em que o pai do Senador Aécio possui uma agropecuária (globo.com).
A argumentação de inocência do político acusado pode ser vista aqui.

Não se pode deixar de citar outro fato de natureza patrimonialista, novamente com o mesmo político: a construção de uma estrada que foi desviada de trajeto previsto em 3 km até a fazenda de Roberto Marinho, denunciado por Kiko Nogueira. Veja a reportagem aqui.

Estes casos são os típicos "desvios de obra" de que trata este texto.

Contudo, não se pode aceitar qualquer justificativa. Qualquer político probo não teria a mínima dúvida de que, por questão de não-benefício próprio ou de pessoas próximas (no caso, parentes) esta construção não poderia nem ter sido cogitada (nem que fosse por questão de bom senso).

Estrada que dá acesso à fazenda de
Roberto Marinho.
Imagine-se, caro brasileiro, você investido de um cargo público tendo às mãos os papéis da autorização de uma grande obra ao lado da fazenda de parentes próximos seus e que visita frequentemente. Como não poderia recuar tendo um espírito incorruptível?
Como não iria perceber que não é certo, que não é justo, que saltaria aos olhos, se denunciado? Fato é fato.

Como outro exemplo, cito também o caso  das clássicas obras que ligam "lugar algum a coisa nenhuma" – os famosos "elefantes brancos" – levadas à frente por interesses escusos envolvendo favorecimento de empresas privadas ou de asseclas políticos.

O programa Fantástico (2011) apresentou uma reportagem que mostra vários casos deste tipo:


E existem, ainda, casos mais sutis do modo "desvio de obras públicas", como os bairros elitistas das cidades brasileiras que são cuidadas com todo esmero ajardinado, regadas com farto dinheiro público, muito além da austeridade e isonomia exigida do poder público, enquanto a periferia se afunda em buracos em suas ruas e as crianças morrem contaminadas devido à inexistência de saneamento básico.
Este modo de corrupção tão negligenciada gera, além da concentração de riquezas, a concentração do conforto, do acesso, da segurança, da beleza e do ambiente salutar.

Já percebeu este tipo sutil de corrupção da função pública nas cidades que viveu, caro leitor?

É a exclusão social, o nepotismo e o desvio corrupto se efetivando em forma de benfeitorias.

Estes casos mostram que a Justiça no Brasil deve evoluir muito para alcançar os políticos e administradores públicos nestes casos mais sutis de corrupção, sem distinção de posicionamento político/ideológico ou relações de poder.

Somente uma Justiça verdadeira, efetiva e apartidária trará a tão almejada paz social, pois pacifica os ânimos e disponibiliza recursos para um desenvolvimento que alcance todos os cidadãos brasileiros.
"Fiat justitia et ruat caelum" — "faça-se justiça, embora desabem os céus".

EdiVal
23/06/2015 


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