E para que estes fatos ocorram parece não existir a necessidade de certeza: a maioria dos agressores tem sua convicção de culpa e necessidade de punir geradas a partir dos relatos enlouquecidos dos que já estavam lá. É uma multidão enraivecida e que vai aumentando devido à curiosidade, excitada com a saída da rotina, repetindo e amplificando os boatos sem saber de onde se originaram, e muito menos da veracidade dos mesmos.
Nas discussões sobre estes acontecimentos, imputa-se tamanha fúria popular à sensação generalizada de impunidade somado ao aumento da violência. É possível, mas pode-se enxergar nestes atos, claramente, a momentânea exteriorização dos demônios de cada um!
A visão é mesmo algo infernal: nos vídeos que circulavam pela Internet, vê-se inacreditáveis, incontroláveis e incontidos murros e chutes, pedras, paus e até capacetes descendo violentamente sobre o corpo, que vai se avermelhando e deformando, desvanecendo e ressuscitando, desferidos por mãos, pés e instrumentos que surgem e desaparecem nas imagens como se não tivessem donos, em uma impessoalidade assombrosa, até a perda completa da consciência ou, em muitos casos, da vida do agredido.
E assim, a cada novo membro "indignado" que se soma à multidão, expressando um ódio que não se espera de pessoas comuns, um demônio de violência vai crescendo em um auto-alimentado acontecimento. É um novo perigo que se soma aos existentes, onde todos nós, nossos filhos, nossos pais e amigos, correm o risco de – num evento inimaginável como no caso relatado a seguir – ser vítima inocente deste tipo de atrocidade.
A prova de sua culpa? Uma foto publicada em um site de uma "suspeita" que se assemelhava a ela.
Somente isso! Como se uma desculpa para o início da barbárie fosse o único fator necessário, e tudo está justificado desde que se inicie o ato: um verdadeiro festim diabólico!
A mulher era uma dona de casa de apenas 33 anos, se chamava Fabiane Maria de Jesus, e tinha duas filhas pequenas. E era inocente.
Inocente!
Diante de tamanha atrocidade, a sociedade precisa urgentemente se conscientizar de que, mesmo para os "culpados", o sistema legal de justiça – que é falho mas fundamental para o mundo como conhecemos funcionar minimamente – deve sempre prevalecer.
A justiça não pode implicar em infligir sofrimento e morte, senão é barbárie.
A vingança não é um direito, é um desequilíbrio emocional.
Quanto aos participantes dos atos como o relatado acima, não sejamos condescendentes nem superficiais: o fato é que as mãos dos executores dos linchamentos – e até mesmo dos incentivadores – ficam indelevelmente e inexoravelmente manchadas de sangue, e isto é válido mesmo que o acusado seja culpado do crime de que é acusado. Este fato já tem um peso sobre a vida, a história pessoal e tudo que possa ser considerado sagrado e bonito na vida de cada uma destas pessoas que se reuniram para cometer este ato de inconsequente violência.
E o sangue nas mãos destas pessoas no caso acima exposto não é de qualquer um: é a de um inocente, de uma mãe de família. Dores eternas foram infingidas às pessoas próximas à Fabiane, pessoas em que foram abertas feridas que nunca serão curadas. Um marido sem sua mulher, duas filhas sem sua mãe, parentes e amigos sem Fabiane e todos remoendo a dor da injustiça e de imaginar o terrível sofrimento e terror que o ente amado passou ao ser desintegrado física e psicologicamente por uma coletividade fora de si.
Não há como amenizar o ato e aplacar a consciência. Ao agir pelos impulsos, ao seguir a multidão, ao responder aos comandos de ódio, ao materializar atos de violência extrema, riscos e responsabilidades foram assumidos: todos se tornaram criminosos, todos se tornaram assassinos.
Em um ato desta natureza não existem amenizantes: todos se tornam sempre piores do que aquele que acusam.
E o que fazer? Linchá-los também? Não abramos esta CAIXA DE PANDORA!
Um basta tem de acontecer! Ao ser humano não é dado o direito de matar ou mesmo ferir seu semelhante, seja em que circunstâncias forem, exceptuando-se um ato de defesa.
Quem nos dá o direito de julgar e condenar à danos físicos, sofrimento e morte quem quer que seja, tenha culpa do que é acusado ou não? Um amontoado de pessoas enfurecidas e alimentadas por cada vez mais desvinculados da verdade boatos, gerados pelos murmurinho dos ensandecidos?
Não é possível imaginar como uma pessoa, num dia que até aquele momento era apenas mais um na vida corrida, possa querer participar de algo com tamanho peso. É uma monstruosidade e a banalização da selvageria, a degradação da humanidade e um passo atrás no custoso processo civilizatório dos povos, construído com muito custo ao longo de milênios.
Significará sempre o fim da humanidade e o recomeço da barbárie.
Devemos todos nos envergonhar de tais fatos, e como cidadães da terra e membros da espécie humana, mostrar nossa preocupação e indignação.
A observação diária nos dá indicações de que a maior parte das pessoas que compõem nossa e qualquer sociedade da terra são fundamentalmente pacíficas e não concordam com tais atos, sentindo – mesmo que não consigam colocar em palavras – como se algo estivesse muito errado!
Essas pessoas devem levantar sua voz, pressionando para que as autoridades tomem providências. A escalada de violência – ainda mais vinda de pessoas comuns – tem de ser interrompida!
Temos de nos encontrar novamente como seres humanos.
Que um alto e claro "REPÚDIO TOTAL AOS LINCHAMENTOS" seja dado pela sociedade brasileira e de qualquer país que esteja passando por tais aterrorizantes fatos.
É isto, ou construiremos um mundo de terror que não vale a pena viver.
EdiVal
05/05/2014
05/05/2014
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