terça-feira, 14 de julho de 2015

Repúdio Total aos Linchamentos

Nos últimos tempos, uma onda de linchamentos estampa as manchetes dos jornais brasileiros, como se fosse uma "modinha" banal destes novos tempos. Além disso, outros países como a Argentina já vem sofrendo com esta triste e ameaçadora realidade.

E para que estes fatos ocorram parece não existir a necessidade de certeza: a maioria dos agressores tem sua convicção de culpa e necessidade de punir geradas a partir dos relatos enlouquecidos dos que já estavam lá. É uma multidão enraivecida e que vai aumentando devido à curiosidade, excitada com a saída da rotina, repetindo e amplificando os boatos sem saber de onde se originaram, e muito menos da veracidade dos mesmos.

Nas discussões sobre estes acontecimentos, imputa-se tamanha fúria popular à sensação generalizada de impunidade somado ao aumento da violência. É possível, mas pode-se enxergar nestes atos, claramente, a momentânea exteriorização dos demônios de cada um!


A visão é mesmo algo infernal: nos vídeos que circulavam pela Internet, vê-se inacreditáveis, incontroláveis e incontidos murros e chutes, pedras, paus e até capacetes descendo violentamente sobre o corpo, que vai se avermelhando e deformando, desvanecendo e ressuscitando, desferidos por mãos, pés e instrumentos que surgem e desaparecem nas imagens como se não tivessem donos, em uma impessoalidade assombrosa, até a perda completa da consciência ou, em muitos casos, da vida do agredido.

E assim, a cada novo membro "indignado" que se soma à multidão, expressando um ódio que não se espera de pessoas comuns, um demônio de violência vai crescendo em um auto-alimentado acontecimento. É um novo perigo que se soma aos existentes, onde todos nós, nossos filhos, nossos pais e amigos, correm o risco de – num evento inimaginável como no caso relatado a seguir – ser vítima inocente deste tipo de atrocidade.

5 de maio de 2014: nesta data esta nova e obscura realidade desceu de maneira contundente sobre nós brasileiros, explícito nas manchetes dos jornais na forma da morte de uma mulher espancada por moradores do município de Guarujá, acusada do sequestro de crianças para práticas de magia negra (ressuscita-se, assim, a caça às bruxas!). 
A prova de sua culpa? Uma foto publicada em um site de uma "suspeita" que se assemelhava a ela.
Somente isso! Como se uma desculpa para o início da barbárie fosse o único fator necessário, e tudo está justificado desde que se inicie o ato: um verdadeiro festim diabólico!

A mulher era uma dona de casa de apenas 33 anos, se chamava Fabiane Maria de Jesus, e tinha duas filhas pequenas.  E era inocente.

Inocente!

Diante de tamanha atrocidade, a sociedade precisa urgentemente se conscientizar de que, mesmo para os "culpados", o sistema legal de justiça – que é falho mas fundamental para o mundo como conhecemos funcionar minimamente – deve sempre prevalecer.
A justiça não pode implicar em infligir sofrimento e morte, senão é barbárie.
A vingança não é um direito, é um desequilíbrio emocional.

Quanto aos participantes dos atos como o relatado acima, não sejamos condescendentes nem superficiais: o fato é que as mãos dos executores dos linchamentos – e até mesmo dos incentivadores – ficam indelevelmente e inexoravelmente manchadas de sangue, e isto é válido mesmo que o acusado seja culpado do crime de que é acusado. Este fato já tem um peso sobre a vida, a história pessoal e tudo que possa ser considerado sagrado e bonito na vida de cada uma destas pessoas que se reuniram para cometer este ato de inconsequente violência.

E o sangue nas mãos destas pessoas no caso acima exposto não é de qualquer um: é a de um inocente, de uma mãe de família. Dores eternas foram infingidas às pessoas próximas à Fabiane, pessoas em que foram abertas feridas que nunca serão curadas. Um marido sem sua mulher, duas filhas sem sua mãe, parentes e amigos sem Fabiane e todos remoendo a dor da injustiça e de imaginar o terrível sofrimento e terror que o ente amado passou ao ser desintegrado física e psicologicamente por uma coletividade fora de si. 

Não há como amenizar o ato e aplacar a consciência. Ao agir pelos impulsos, ao seguir a multidão, ao responder aos comandos de ódio, ao materializar atos de violência extrema, riscos e responsabilidades foram assumidos: todos se tornaram criminosos, todos se tornaram assassinos. 
Em um ato desta natureza não existem amenizantes: todos se tornam sempre piores do que aquele que acusam. 

E o que fazer? Linchá-los também? Não abramos esta CAIXA DE PANDORA!

Um basta tem de acontecer! Ao ser humano não é dado o direito de matar ou mesmo ferir seu semelhante, seja em que circunstâncias forem, exceptuando-se um ato de defesa. 
Quem nos dá o direito de julgar e condenar à danos físicos, sofrimento e morte quem quer que seja, tenha culpa do que é acusado ou não? Um amontoado de pessoas enfurecidas e alimentadas por cada vez mais desvinculados da verdade boatos, gerados pelos murmurinho dos ensandecidos?  

Não é possível imaginar como uma pessoa, num dia que até aquele momento era apenas mais um na vida corrida,  possa querer participar de algo com tamanho peso. É uma monstruosidade e a banalização da selvageria, a degradação da humanidade e um passo atrás no custoso processo civilizatório dos povos, construído com muito custo ao longo de milênios.

Significará sempre o fim da humanidade e o recomeço da barbárie.

Devemos todos nos envergonhar de tais fatos, e como cidadães da terra e membros da espécie humana, mostrar nossa preocupação e indignação.

A observação diária nos dá indicações de que a maior parte das pessoas que compõem nossa e qualquer sociedade da terra são fundamentalmente pacíficas e não concordam com tais atos, sentindo – mesmo que não consigam colocar em palavras – como se algo estivesse muito errado!
Essas pessoas devem levantar sua voz, pressionando para que as autoridades tomem providências. A escalada de violência – ainda mais vinda de pessoas comuns – tem de ser interrompida!
Temos de nos encontrar novamente como seres humanos.

Que um alto e claro "REPÚDIO TOTAL AOS LINCHAMENTOS" seja dado pela sociedade brasileira e de qualquer país que esteja passando por tais aterrorizantes fatos.

É isto, ou construiremos um mundo de terror que não vale a pena viver. 

 EdiVal
05/05/2014 

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